![(fonte)](https://miro.medium.com/v2/resize:fit:1200/format:webp/1*_2w2acRNZLJTrWJoKDIhgg.jpeg) # Que Fazer Quando Se Suspende o Juízo? ===================================== [Alexandre Magno Querino A. Silva](https://medium.com/@alexandremagnoquerino?source=post_page---byline--5a1f5438501b--------------------------------) Published in [Filosófica Mente](https://medium.com/filos%C3%B3fica-mente?source=post_page---byline--5a1f5438501b--------------------------------) 5 min read Jul 27, 2018 > “[…] não afirmamos que nada do que será dito é exatamente como dizemos, mas, como o cronista, apenas fazemos, de cada coisa tratada, um relato, conforme o que nos aparece no momento.” (SEXTO EMPÍRICO, Hipotiposes Pirrônicas I). Parece razoável que seja preciso antes saber o que é a justiça para que se possa agir justamente, ou saber o que é o bem e o mal para praticar a bondade e assim também com as demais virtudes. Para qualquer um que seja ao menos iniciado na Filosofia fica claro que muitas foram (e são) as pessoas talentosas que investem o valioso tempo de suas vidas com investigações tão profundas e difíceis. Um calendário pode nos oferecer evidências sobre que dia é hoje, assim como uma olhada para o alto pode nos informar sobre como está o clima, e quanto a algo como a justiça? Nada nunca me deixou mais curioso que a habilidade que os filósofos têm de acessar estas coisas que tem a propriedade de serem tanto próximas quanto distantes, próximas no sentido de que dificilmente encontraríamos alguém que nunca houvesse visto um ato justo ou um ato bondoso, entretanto, distantes no sentido de que tão difícil quanto seria encontrar alguém que tenha visto a justiça em si mesma alguma vez na vida. Eu mesmo já procurei bastante, e lamentavelmente nunca encontrei nada do tipo. A pouco tempo conheci um filósofo que parecia um pouco diferente dos demais, este homem insistia em recomendar que as pessoas tivessem cautela com as buscas fabulosas dos filósofos, alegando que o mais prudente a se fazer era suspender o juízo sobre estas questões e que assim se alcançaria a tranquilidade da alma. Que insolência, não? Tal sujeito elencou, em um esboço que escreveu, uma pilha de “regras” que, segundo ele, evitavam a precipitação. Ora, me parece que ninguém poderia querer chegar a boas conclusões se precipitando, e de fato as “regras” pareciam justas, coisas como “não é possível provar que a sua percepção é mais verdadeira que a de outro, portanto, suspenda o juízo sobre isto” me soaram bastante razoáveis. Senti uma estranha dor no estômago ao me deparar com o termo “suspensão do juízo” de tal forma que fiquei algumas semanas pensando sobre isto. Esse tal Sexto Empírico dizia que ao me deparar com uma situação na qual não posso decidir entre opiniões eu devo abandonar a questão, não tomar partido nem de um lado e nem de outro. Essa “suspensão” não me levaria a ser inativo, passivo? A dificuldade que tive em aceitar este negócio de suspender o juízo foi a mesma que tive de negá-lo. Refleti algum tempo sobre o assunto, mas não encontrava saída, e filósofo algum me ajudou a sair dessa enrascada. Na verdade, terminei por perceber que muitos filósofos infringiam estas “regras” as quais Sexto Empírico alertava-nos, resultando em precipitações (muitas vezes até grosseiras) da parte deles. Gradualmente percebi que as fabulosas habilidades que os filósofos tinham (e que eu admirava) de acessar a justiça em si mesma, a verdade, o bem, etc. começaram a parecer suspeitas. Como lidar com a tal da suspensão do juízo? Comecei a me fazer outra pergunta: será que suspender o juízo sobre as dificílimas ideias filosóficas realmente me impede de agir, de viver normalmente? Começo a pensar que a suspensão do juízo não é tão cruel assim. É muito difícil decidir entre o que é a justiça em si mesma quando se tem muitas opiniões igualmente fortes sobre o assunto, principalmente um assunto do qual não basta checar o calendário ou olhar para o céu. Refletindo sobre o assunto cheguei a conclusão de que ao deixar de lado por um instante as ideias filosóficas o que me restava era justamente o mesmo que eu tinha antes de começar a investigá-las: aquilo que aparece diante de mim. Se noto que alguém que caminha em minha frente deixou cair uma cédula de dez reais, me parece evidente que eu deva alertar a pessoa e devolvê-la! Deveria eu checar antes as doutrinas filosóficas para saber o que fazer? A cada dia como estudante de filosofia fica mais forte o sentimento de que não seria prudente recusar coisas que são tão evidentes, coisas que a vida, meus pais, meus amigos me ensinaram em pró de ideias. Não que eu julgue as grandes doutrinas e ideias filosóficas como más (longe disso!), mas talvez seja mais prudente… err… não julgar. Depois de algum tempo sofrendo os incômodos que o ceticismo de Sexto Empírico me causou comecei a perceber que a suspensão do juízo não é uma ideia filosófica como as outras, a qual segundo alguns princípios universais lhe obrigam ou constrangem a suspender seu juízo e fazem o espírito repousar no fulgor da verdade, mas sim um conselho de um homem (bastante sábio em minha opinião) que estava interessado em ajudar as pessoas, que muitas vezes ficam atordoadas com o espetáculo filosófico. Quando a diversidade de opiniões me impede de decidir qual delas é a melhor é razoável que eu não me precipite para nenhum dos lados, evitando assim ser uma pessoa arbitrária e dogmática. Entretanto, estaria eu sendo dogmático ao correr em direção à calçada se percebo que um carro vem desgovernado em minha direção? Bom, eu não vejo como a pretensão de sair do caminho de um carro descontrolado pode depender de alguma adesão filosófica. Certamente eu correria para a calçada mesmo que estivesse num sonho, visto que no momento do sonho não sabemos que estamos sonhando, mas temos a forte impressão de que aquilo que ocorre é real. Se alguém me perguntasse o que eu faço após suspender o juízo, eu responderia facilmente: faço aquilo que parece razoável fazer, levo as coisas no nível da normalidade. O impacto que tem a suspensão no juízo em minha ação é o de fazer com que ela seja orientada por aquilo que é evidente no momento (algo que minha própria mãe já me alertava ao dizer: “olhe os dois lados antes de atravessar a rua!”), e não por ideias filosóficas difíceis e complexas ou doutrinas filosóficas tão difíceis e tão complexas quanto. A atitude de agir sem o apego exagerado a ideias me fez ser muito menos atormentado por discussões e desacordos, e isto é algo que vejo com bons olhos. Quando percebi que não preciso de uma doutrina para saber o que é bom e o que é justo me vi numa situação peculiar, na qual posso lidar mais livremente com os filósofos e com pessoas que discordam de mim. Eu já senti na pele o que é ter um dogma e se deparar com alguém que não reconhece elevadíssima verdade na qual seu respectivo dogma se assenta e ousa discordar, que sofrimento… sinto muito pelas almas que passam por este tormento, pois felizmente ando bem mais tranquilo com relação a estas coisas que a Filosofia atrai àqueles que são atraídos por ela. Enfim, mesmo sem conseguir me decidir sobre algumas questões filosóficas vivo minha vida normalmente.