# Precisamos mesmo saber a causa do defeito? > Uma reflexão sobre o postura, conhecimento e responsabilidade no serviço técnico de campo #MG3 #serviço_técnico #escritos #LinkedIn #conhecimento Todos conhecemos a velha anedota do engenheiro que foi até um navio que estava com defeito no motor, apertou um parafuso e resolveu o problema, surpreendendo e causando certa insatisfação pela aparente facilidade com que fez isso. Conhecemos também a moral dessa história: uma coisa é apertar o parafuso, outra muito diferente é saber qual parafuso apertar. Essa é uma lição sobre o valor do conhecimento da causa, sobre o valor da experiência daquela pessoa que aperta o parafuso. Nesses últimos anos, trabalhando com serviços de campo, tem crescido em mim uma profunda dúvida. Uma desconfiança de que o mercado esteja se movendo na direção contrária àquela que a anedota nos convida a seguir. Ouso questionar: precisamos mesmo saber a causa do defeito? ## I A maioria das máquinas industriais com as quais já trabalhei são projetadas para trabalhar full time, 24 horas por dia. No entanto, é claro, sempre chega o dia em que um defeito aparece. Em termos gerais, o defeito operacional, a falha, é o ponto crítico que não apenas justifica, mas fortalece o serviço técnico, seja de campo ou não. Afinal, sem defeitos, sem serviço técnico. A razão de existir o serviço técnico é justamente predizer, previnir e, quando essas duas são insuficientes, corrigir o defeito. De modo bem geral, se os clientes simplesmente já soubessem a causa dos defeitos, o serviço técnico se resumiria a apertar parafusos. Claro que não posso esquecer de mencionar os clientes que, mesmo não tendo formação ou experiência técnica, se interessam em conhecer profundamente os equipamentos com os quais trabalham para além de seus cargos e funções formais. Alguns estão no mesmo patamar de técnicos de campo experientes, mas sabemos que não são maioria. O bom técnico tradicionalmente é aquele que, diante da falha, empreende os meios corretos para entender a causa e, então, executa a solução. Mas, continua(rá) sendo assim? ## II Vamos supor um exemplo casual. O analisador do cliente apresenta um defeito. O suporte técnico é acionado, o técnico examina a máquina e percebe que: 1) Pode ser que as peças A, B ou C estejam causando o defeito; 2) Pode ser que todas estejam ruins, apenas duas delas ou somente uma. Acontece que, nesse exemplo, as peças A, B e C formam um sistema. É possível substituir o conjunto completo. Sairia mais caro para o cliente. Possivelmente, caso nem todas as peças estejam ruins, será uma elevação de custo desnecessária, mas é quase certo que o defeito daquele sistema vai desaparecer. Acho que todos concordamos que a alternativa correta é diagnosticar e testar, até saber a causa exata do defeito, se A, B ou C. Sim, num mundo ideal. No mundo real existe pressão da produção, cobrança de prazos, custo por down time, reputação, promessas comerciais, expectativas, ansiedade e demais fatores externos à manutenção. Diagnóstico custa tempo: planejar, criar hipóteses, substituir uma peça, verificar se ela é a causa do defeito, se não for, retornar a peça antiga, tentar outra hipótese, e por aí vai. Esse consumo de tempo somado à curta paciência do cliente, que está com a máquina fora de operação, resulta numa situação estressante. A ação correta se torna um verdadeiro desafio, quase um ato de heroísmo. É claro que existem situações eventuais em que o custo de substituir o conjunto compensa quando comparado ao tempo de máquina parada (down time). Mas esses não são todos, e nem a maioria dos casos. Lamentavelmente, não são poucos os profissionais que, diante da primeira cobrança de prazo (ou mesmo antes disso), optariam por substituir o conjunto completo sem necessidade. Isso acontece muito. É o caminho fácil, é rápido, simples e “apenas” custa mais. A realidade é que não precisamos saber a causa do defeito para eliminá-lo numa situação particular. Podemos substituir peças “no atacado” e resolver o problema sem qualquer entendimento claro do que o causou. Esse é um comportamento relativamente comum no mercado, estejamos falando de manutenção automotiva ou de equipamentos de alta engenharia. No entanto, esse comportamento carrega consequências insustentáveis a longo prazo para todos os envolvidos. ## III Quando o técnico age sem saber a causa, todos perdem. Quando “resolvemos” defeitos sem observar, isolar e identificar a causa os efeitos imediatos são: 1. O fabricante ou a empresa que representamos perde a oportunidade de recolher dados sobre os defeitos daquele equipamento, o que prejudica o aprimoramento das novas versões e atrasa o desenvolvimento da tecnologia; 2. Não é possível traçar um planejamento preventivo, orientado para extinguir as condições causadoras antes que elas cheguem a gerar defeitos; 3. O próprio técnico perde a oportunidade de transformar seu tempo de serviço em experiência real. Se quando um defeito, aparece, o sujeito substitui peças “no atacado”, sem critério ou método, não existe formação de conhecimento; 4. Os custos de manutenção crescem desnecessariamente, diminuindo a eficiência dos processos produtivos; Imagine um mundo em que quando um defeito aparece, temos que substituir o equipamento completo de uma vez, ou algo próximo disso, porque é “mais simples e rápido” ou porque os técnicos não se interessam em isolar a causa. É insustentável. Não vivemos nele porque apesar das dificuldades impostas pelo mundo real, existem empresas, equipes e técnicos comprometidos com a honestidade e transparência dos serviços, com a eficiência dos processos, isolamento de causas e a manutenção responsável. Por um lado, não precisamos saber as causas para resolver defeitos. Isso é fato. Por outro lado, nosso dever como técnicos de campo não é apenas eliminar defeitos. Saber as causas é uma tarefa essencial se queremos ser responsáveis, formar conhecimento, otimizar processos e, é claro, viver num mundo melhor e sustentável. Conhecer as causas dos defeitos não é obrigatório, é um dever, um compromisso.