# Por Que Coachs Andam Citando Tanto o Estoicismo?
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## “O Estoicismo Quântico” — Um edifício fundado em areia e lama.
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[Alexandre Magno Querino A. Silva](https://medium.com/@alexandremagnoquerino?source=post_page---byline--42717cf88ef--------------------------------)
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[Filosófica Mente](https://medium.com/filos%C3%B3fica-mente?source=post_page---byline--42717cf88ef--------------------------------)
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Aug 17, 2020

> Quem precisa de uma filosofia difícil e complexa, que só serve para falar bonito e inflar o próprio ego? A nova sensação é o Estoicismo Quântico, a filosofia simples e prática, basta ler e agir. Nada de pensar, hein!?
I
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Nos últimos anos um profissional ganhou muito destaque, principalmente por não ser muito convencional: o _coach_ (que significa “treinador”, em inglês). Mas que diabos é isso? Vejamos a [definição do Instituto Brasileiro de Coaching](https://www.ibccoaching.com.br/portal/coaching/o-que-e-coaching/):
> “O **Coaching** é um processo definido como um mix de recursos que utiliza técnicas, ferramentas e conhecimentos de diversas ciências como a administração, gestão de pessoas, psicologia, neurociência, linguagem ericksoniana, recursos humanos, planejamento estratégico, entre outras.”
Esse profissional aparentemente lhe ajudará, com aquelas técnicas, a “atingir seu potencial máximo” e “alcançar suas metas”.
Eu confesso que entendo a necessidade de uma profissão assim. A vida nunca foi tão repleta de distrações: anúncios, propaganda, toneladas de notícias e informações, redes sociais, jogos, música, filmes, séries, etc. Tudo isso é despejado em cima de nós, consumidores, tornando difícil focar em algo nem que seja por apenas 10 minutos.
Eu não consigo cortar uma cebola inteira sem alguém ligar a TV, um e-mail promocional chegar, receber uma mensagem, ou o carro do ovo passar. Isso tudo atrapalha a **produtividade** e a **tranquilidade** de qualquer um.

II
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No entanto, por mais moderno que seja o _coaching_ e suas técnicas, há algo de antigo nisso tudo. Acompanhe-me nesta pintura.
Imagine viver numa **cultura guerreira**, num lugar onde guerras são frequentes e podem estourar a qualquer momento. Sua cidade pode ser invadida e você será chamado para servir e defendê-la. Eu suponho que este cenário deve ter algum efeito negativo na estabilidade psicológica de alguém.
Pense também, como seria viver como **imperador**. Sim, há riqueza e prazer, por outro lado, todos em seu redor conspiram contra você. Seus amigos podem querer sua morte, seus súditos lhe odeiam e podem se rebelar, **até mesmo seu filho poderá lhe apunhalar pelas costas**. Como suportar essa pressão e, ainda assim, continuar a fazer seu trabalho?
De modo semelhante ao que temos hoje, nos tempos antigos haviam pessoas responsáveis por acalentar e fortalecer almas alheias: **filósofos**. A ideia de “atingir seu potencial máximo” me lembra, de algum modo, o lema socrático que prescreve “ser a melhor versão de si mesmo”. Mesmo Sêneca e a escola estoica, que buscavam os meios para alcançar a **tranquilidade** **invulnerável**, parecem seguir o mesmo caminho.

III
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Não é nada raro ver _coachs_ citando filósofos em seus textos, inclusive, ultimamente o estoicismo está se tornando algo muito popular nesse meio. Este fenômeno não se deve somente ao _coaching_, mas certamente tem sua influência. Pessoas como [Ryan Holiday](https://medium.com/u/2e2701ae378f?source=post_page---user_mention--42717cf88ef--------------------------------) tem trabalhado na popularização do estoicismo sob a perspectiva de ser uma “filosofia simples e prática”, e não algo _desnecessariamente complexo_. Entretanto, há algo de muito equivocado nisso tudo. Analisemos.
Sêneca era, não por acaso, o principal conselheiro do imperador Nero (sim, ele mesmo, _o demônio_). É muito comum vermos que Sêneca volta-se normalmente para questões do cotidiano: [[Essa Investigação lhe Ajudará a Resistir ao Medo da Morte|como resistir ao medo da morte]], como escolher amigos e colegas, como continuar tranquilo quando a cidade está um caos, etc. E estas questões, notem, são extremamente úteis tanto a um imperador, quanto a pessoas comuns.
Mas isso não significa que o estoicismo se resuma a isso: um conjunto de conselhos práticos e alguns princípios. Esta doutrina contém também uma parte metafísica sobre a Natureza e sobre o destino. Por sinal, estoicos antigos são **absolutamente deterministas**, mas poucos de seus divulgadores recentes sabem disso, ou se importam com isso. Será que, hoje em dia, estariam dispostos a aceitar esta premissa?
Afinal, o destino determinado é uma das **principais premissas** que sustentam a ideia de que alguém deveria permanecer tranquilo em meio ao caos: não há o que fazer, o que tiver de acontecer, acontecerá.
Sêneca, por exemplo, acredita que apenas duas coisas estão sob o controle de alguém: os _vícios_ e as _virtudes_. Absolutamente mais nada. Você pode escolher se será agora corajoso ou covarde, mas não deveria ter sequer a expectativa de que estará vivo nos próximos 5 minutos (ou no próximo segundo!). Nada mais está sob seu controle, então, por que se preocupar?
Sem falar na autoridade autoinduzida do _sábio_ (o nível máximo de aprimoramento para o estoicismo). Esta é uma objeção cética clássica:
> Os estoicos definem a verdade como uma afirmação que se adequa ao objeto existente, sábio é aquele que segue a verdade, mas quem pode garantir que tal ou tal afirmação adequa-se a algum objeto é o próprio sábio.
Esta **circularidade** é um problema epistemológico que parece pouco interessar atualmente, embora tenha sido um dos grandes pontos de debate entre céticos e estoicos.

IV
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Bom, meu ponto aqui não é criticar o estoicismo, mas salientar uma preocupação que deveríamos ter. **O estoicismo é útil em tempos caóticos**, durante crises, isso porque sua conclusão prescreve a indiferença diante dos problemas mais variados. É principalmente por isso que ele está sendo divulgado, mas não podemos perder de vista sua complexidade e seu caráter de filosofia.
A outra face do enaltecimento de uma filosofia como “simples e prática” é o **descrédito** de outras filosofias que não sejam vistas desse modo. Eu não diria que todos os filósofos prezam pela simplicidade como um valor, por outro lado, arriscaria dizer que pela _praticidade_ sim! **Toda filosofia, sobretudo a feita na antiguidade clássica, preza pela praticidade.**
Seja o Platonismo, Aristotelismo, Epicurismo, Ceticismo, Estoicismo, entre várias outras, todas essas teorias tinham por objetivo um _agir melhor_, um aprimoramento.
> Pinçar de uma filosofia apenas suas conclusões úteis e resumi-la a isso é o mesmo que matá-la. A beleza da Filosofia está justamente nesta troca argumentativa, na disputa de teses.
Este texto, mais que uma crítica, é um convite. Um convite para conhecermos melhor **as filosofias as quais seguimos** (as vezes sem saber) e **nossos princípios mais básicos**. Para que possamos debater, enquanto indivíduos e sociedade, como agir e como lidar com os problemas. Ao invés de apenas escolher alguma diretriz qualquer no longo cardápio filosófico que temos a disposição.
_Obrigado pela leitura, espero que você esteja bem nesse momento. Tome todos os cuidados, o coronavírus não é uma ameaça teórica, é real! Se puder, fique em casa._