# O paradoxo da timidez: quanto mais você se esconde, mais te notam
=================================================================
## Um _loop_ infinito que só gera mais e mais ansiedade.
-----------------------------------------------------
[Alexandre Magno Querino A. Silva](https://medium.com/@alexandremagnoquerino?source=post_page---byline--25acd72e681e--------------------------------)
Published in
[Filosófica Mente](https://medium.com/filos%C3%B3fica-mente?source=post_page---byline--25acd72e681e--------------------------------)
6 min read
Oct 31, 2019

Ser tímido já é algo simplesmente difícil. A depender do seu grau de timidez até mesmo atravessar a rua e comprar um saco de pães pode se tornar um desafio. A situação só piora quando nos vemos num mundo dominado por exigências sociais: é cobrado de você que esteja sempre expondo-se nas diferentes plataformas online, que compareça em eventos, que ligue, mande mensagens, etc.. Caso contrário, você provavelmente irá se deparar com um “você sumiu, hein?”, “tá vivo?”, e outras questões para as quais eu ainda não sei dar uma boa resposta.
Eu me considero a pessoa mais tímida e ansiosa que já conheci (e não devo ser o único que pensa assim). Entretanto, se eu digo isso para alguns conhecidos meus, mesmo os mais próximos, eles negarão de imediato. Dirão que sou _cínico_, que na verdade sou extrovertido, engraçado e desinibido. Mas isso é um efeito recente, há algum tempo atrás eu era conhecido por ser inexpressivo entre pessoas desconhecidas (isso significa pessoas que estavam além dos meus 3 ou 4 amigos), por dar respostas monossilábicas como “não”, “sim”, “ok” e “hm” para todo tipo de questão e por evitar contato íntimo com pessoas. Embora eu ainda seja esta mesma pessoa, desenvolvi uma técnica que me permitiu obter melhores resultados quanto a imagem que as pessoas têm de mim.

Bom antes de chegar ao ponto, vou definir bem sobre o que estou falando. Parte da [definição de timidez da Associação de Psicologia Americana](https://dictionary.apa.org/shyness) é:
> “ansiedade e inibição em situações sociais, tipicamente envolvendo três componentes: (a) sentimentos gerais de variação emocional e experiências fisiológicas específicas (por exemplo, aumento do batimento cardíaco, sudorese, vermelhidão); (b) autoconsciência aguda do público, autodepreciação e preocupações em ser avaliado negativamente por outros; (c) e comportamento observável, como quietude, aversão ao olhar e retraimento social.” (tradução livre).
Eu tenho todos esses sintomas, o que me deixa o pouco mais seguro para abordar o assunto. Uma pessoa tímida que quer ter uma vida tranquila só precisa de duas coisas: (i) a certeza de que a situação seguinte não será desconfortável; (ii) não ser o centro das atenções. Se qualquer uma dessas cláusulas não forem satisfeitas, essa pessoa certamente estará em apuros.
Normalmente minhas táticas alternavam-se entre muitas variações de uma mesma coisa: **passar despercebido**. Se, por exemplo, eu fosse para uma festa e sentisse que poderia me sentir constrangido, ansioso ou apavorado, então eu simplesmente não ia, ou buscava um meio de me esconder. Pegava uma fatia de bolo, uma bebida, ia para um canto longe do centro da festa, e esperava que acabasse.
> Quanto mais eu tentava não ser notado, estando quieto, falando pouco ou nada, mais as pessoas prestavam atenção em mim, um terrível paradoxo.
Eu procedia assim em mais ou menos todas as situações, mas nunca dava certo. Sempre alguém me notava escondido, achava que eu estava muito “excluído” e me puxava para uma roda de conversa sobre qualquer coisa, ou vinha diretamente conversar comigo (o que significava simplesmente me fazer várias perguntas casuais), e eventualmente até me punham no meio da festa para fazer com que eu também “me divertisse”.

O âmbito privado sempre foi mais confortável que o público. Em minha vida privada eu sou o rei, eu digo a música que toca, o programa que passa na TV e que perguntas serão feitas ou respondidas. Já em público, em festas, bares, encontros, escola, faculdade, etc., as coisas não funcionam assim. Você tem que interagir com pessoas, e isso sempre foi um desafio para mim. Eu nunca sabia o que dizer, o que pensar, como reagir, e isso só piorava a situação. Quanto mais eu tentava não ser notado, estando quieto, falando pouco ou nada, mais as pessoas prestavam atenção em mim, um terrível paradoxo.
Depois de muitos anos de suadeira, nervosismo e ansiedade, encontrei um jeito de sobreviver a tudo isso, que não é milagroso mas tem funcionado. Meu segredo é **encenar**. A palavra “encenação” tem uma conotação muito negativa, sendo normalmente interpretada como “iludir” ou “enganar”. Eu gostaria de explorar um outro lado da coisa, a parte boa (e útil) de encenar em situações públicas.
> Nesse dia eu consegui, entretanto, convencer a todos de que eu estava absolutamente seguro, confiante e pleno, quando na verdade eu estava muito nervoso. Pura encenação.
Essa ideia que tive não é nada original, alguém já deve ter pensado nisso, acho que já ouvi algo a respeito. Mas o que importa é que me dei conta disso recentemente e tem funcionado.
Se um desconhecido chega de repente puxando assunto do tipo “e ai, viu o jogo do Bahia?”, eu que não tenho interesse por futebol naturalmente diria “não, não curto futebol”. Porém, isso não só criará uma situação constrangedora para ambos, como desencadeará no sujeito a necessidade de abordar um outro assunto que fosse do meu interesse, prolongando a conversa, o que é exatamente o oposto do que eu gostaria. E isso poderia se tornar um _loop_ infinito, principalmente se este sujeito não me conhece bem ou tem gostos bem diferentes dos meus. Então, para evitar a situação paradoxal, a saída é **entrar no jogo**.
Mesmo que eu seja uma pessoa que dificilmente abrirá uma conversa sobre futebol, diante de uma situação surpresa como essa eu posso agir _como se_ estivesse interessado e _como se_ fosse um assunto do qual eu estou mais ou menos inteirado. Vamos retomar o exemplo, se o sujeito diz “e ai, viu o jogo do Bahia?”, eu poderia responder “rapaz, nem vi, mas meu avô foi conselheiro do Bahia, sabia?”. Desse modo eu posso fingir interesse e trazer o assunto para um ambiente mais seguro, afinal a informação que dei não é falsa. Estando agora em ambiante seguro, posso falar uma ou outra coisa não muito importante e a conversa encerrará muito mais rapidamente com um “Legal!” ou um “É isso mesmo!” e com um sorriso em ambos os rostos.
Isso funciona também em situações em que você tenha que falar em público, num discurso, num seminário ou algo assim. Entretanto, exigirá de você um pouco mais de preparo e sagacidade.
Certa feita tive que dar uma aula na faculdade para pessoas que eu não conhecia, nunca nem tinha visto. Nesse dia eu consegui, entretanto, convencer a todos de que eu estava absolutamente seguro, confiante e pleno, quando na verdade eu estava muito nervoso. Pura encenação. Uma informação que ninguém tinha era que eu passei as duas horas anteriores _ensaiando._ Eu não estava repassando o _conteúdo_ da minha fala, mas sim a _forma_: gestos sutis que demonstrassem sentimentos controlados, uso moderado de termos informais e gírias, etc.. Tudo isso faria parecer que eu me sentia em uma conversa natural, e realmente o fez. Chegaram a me dizer que tenho vocação para falar em público (hahaha), que ironia.
Alguém que tem um grau baixo de (ou nenhuma) timidez poderá achar esse texto uma bobagem sem sentido. É que a maioria das pessoas já procede assim naturalmente, sem demandar planejamento ou esforço algum. Não é o meu caso.
Eu não sou um ator, nem sequer possuo alguma habilidade ou técnica de teatro, mas ajustando alguns detalhes da minha performance cotidiana eu tenho conseguido sobreviver a variadas situações. É sempre útil guardar expressões rápidas e sutis que as pessoas do local usam, gírias sobretudo, para deixar a encenação mais natural e convincente. Se bem realizada, parecerá que nem é você mesmo falando, sendo julgado, observado e medido, mas sim seu _personagem_, enquanto você mesmo estará intacto e em paz em seu âmbito privado. Não estou pedindo a ninguém para ser dissimulado e falso, só estou advertindo que pessoas tímidas tem que encontrar meios de passar despercebidos por situações desafiadoras. Eu encontrei o meu.
Dessa forma eu consigo quase sempre satisfazer as duas exigências, citadas acima, que todo tímido tem: (i) não estar desconfortável; (i) não ser o centro das atenções. Quando estou em situações sociais eu tento passar a imagem de que estou plenamente integrado ao ambiente. Assim as pessoas se compadecem com minha situação de “exclusão”, evitando me abordar desnecessariamente. Ultimamente, graças a esse modo de agir, eu tenho ficado bem menos ansioso com a ideia de encontrar desconhecidos, falar em público ou ser abordado por alguém de repente. A vida se tornou um pouquinho mais fácil.