# Como Sabemos Que Sabemos? — Uma Pergunta Sem Resposta Há Mais De 2.500 Anos =========================================================================== ## Um problema filosófico antigo, que ainda carece de solução. ----------------------------------------------------------- [Alexandre Magno Querino A. Silva](https://medium.com/@alexandremagnoquerino?source=post_page---byline--c94be53ade63--------------------------------) Published in [Filosófica Mente](https://medium.com/filos%C3%B3fica-mente?source=post_page---byline--c94be53ade63--------------------------------) 6 min read Dec 23, 2020 ![Photo by Alex Block on Unsplash](https://miro.medium.com/v2/resize:fit:2000/format:webp/0*fSo7h2sswtDaWBtb) O problema do conhecimento, talvez um dos mais importantes da filosofia, será exposto, exemplificado e explicado neste textinho de hoje. Antes de começar a leitura, talvez como uma forma de “entrar no personagem” faça para si mesmo, com sinceridade, as seguintes perguntas: 1. Como eu **justifico** meus conhecimentos? 2. Eu realmente sei aquilo que eu **acho que sei**? 3. Se eu notar que errei, que **não tenho conhecimento** de algo, estou disposto à aceitar as consequências disso? Espero que os momentos seguintes sejam de reflexão e autoconhecimento. O texto pode parecer um pouco técnico. Entretanto, acredito que seja útil para qualquer um, seja iniciado na filosofia ou não, como um modo de nos tornarmos uma versão melhor de nós mesmos. _*Este texto foi apresentado como resposta numa avaliação de Teoria do Conhecimento, e positivamente avaliado. Então, achei que poderia ser interessante trazê-lo aqui._ I = Suponha que há um sujeito S que diz **conhecer** a proposição P. Para verificar se o que S diz é verdade, seria razoável antes considerar alguma definição do que seja conhecimento. > A definição tradicional de conhecimento, atribuída sobretudo a Platão, é composta por três elementos: crença, verdade e justificação. Isso significa dizer que para ser verdadeiro que S saiba que P, é preciso que: (i) S acredite em P; (ii) P seja verdadeira; (iii) S esteja justificado em acreditar que P. Por exemplo, se Adamastor diz que conhece o caminho que vai da Boca do Rio até a Pituba, precisaríamos antes confirmar que o caminho está **correto** e, em seguida, observar as **razões** que Adamastor possui para acreditar nisso. Se ele tem razões adequadas, dado que ele acredita no que diz e que o caminho é mesmo este, então ele tem **conhecimento**. As razões ofertadas podem variar, ele poderia dizer, por exemplo, que possui um mapa de Salvador, o que justificaria sua crença. ![Photo by Julian on Unsplash](https://miro.medium.com/v2/resize:fit:2000/format:webp/0*lYe7ViEiFzKWjJkn) II == Alguém poderia argumentar que basta apenas que uma pessoa acredite numa coisa e que ela seja verdadeira, para que se tenha conhecimento. Examinemos este caso. Suponha que Geraldino está numa sala de aula no campus de São Lázaro (UFBA), e então ele afirma que Rodolfo está sentado no sofá de sua própria casa, no Cabula, neste exato momento. Digamos que seja verdadeira a afirmação. Poderíamos, somente com estes elementos, atribuir o estado de conhecimento a Geraldino? Provavelmente não, o primeiro problema que surge é: _como_ ele sabe que Rodolfo está no sofá de sua casa, se ele está assistindo aula em São Lázaro? Sem a oferta de razões, é impossível sabermos. Não parece razoável que atribuamos conhecimento a Geraldino, poderíamos supor justificações possíveis, formas pelas quais ele poderia saber o estado de Rodolfo àquela distância. Mas não oferecer nenhuma justificação faz com que mais pareça um caso de _pura sorte_. A ausência do terceiro elemento da definição (justificação), assim como a ausência do segundo (verdade) ou a controversa possibilidade da ausência do primeiro (crença), impede que qualquer sujeito chegue ao estado de conhecimento. ![Photo by Sigmund on Unsplash](https://miro.medium.com/v2/resize:fit:2000/format:webp/0*KGMKqpwUW2yOk0JA) III === Esta definição parece completa. Você crê em algo, é verdadeiro, e você tem razões para isso, logo, você conhece. No entanto, será que pode haver algum caso em que se cumpra estes três requisitos e que, ainda assim, não se possa atribuir conhecimento? Examinemos o seguinte caso. Suponha que um sujeito, chamado Alírio, esteja viajando de avião. Eis que Alírio quer saber que horas são, confere na tela do computador de bordo e vê que são 17:30, e esta informação é verdadeira. Então, a partir disso Alírio infere que o sol está se pondo, visto que nesta localidade o sol começa a se por mais ou menos às 17:30. Poderíamos, então, concluir que Alírio _sabe_ que o sol está se pondo. Visto que, ele crê que o sol está se pondo, é verdade que o sol está se pondo, e ele o crê pois conferiu o horário no computador de bordo. Porém, continuando o exemplo, suponhamos que, por acaso, o número que Alírio viu no visor do computador de bordo não seja a hora de um relógio, mas sim o tempo restante de viagem. Na verdade, então, o visor indicava que restavam 17 horas e 30 minutos para o avião chegar ao destino, mas Alírio achava se tratar de um relógio. E, também por acaso, naquele momento em que Alírio observava o visor, eram de fato 17:30. Nesse caso, Alírio tem uma crença, verdadeira e justificada, mas que não pode ser conhecimento. Não é razoável que atribuamos conhecimento ao sujeito deste exemplo pelo fato de que um contador de tempo de viagem não pode informar diretamente qualquer horário. > Alírio foi enganado, mas ainda assim cumpriu os três requisitos da definição de conhecimento platônica. Este é um caso típico de _sorte epistêmica_, colocado na centralidade do debate epistemológico contemporâneo por [E. Gettier, em 1963](http://criticanarede.com/epi_gettier.html). ![Photo by Shelagh Murphy on Unsplash](https://miro.medium.com/v2/resize:fit:2000/format:webp/0*dUcGKyJpcL8WNdIl) IV == Eliminar, ou ao menos reduzir os danos, da sorte epistêmica tem sido uma difícil tarefa filosófica. Ainda que não tenha uma resposta definitiva, arrisco uma resposta _internalista_ para este problema. Nessa recente linha de pesquisa, a [Epistemologia das Virtudes](http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/19738), os internalistas normalmente são aqueles que buscam combater a sorte epistêmica através do cultivo de virtudes intelectuais internas. Por exemplo, eu poderia argumentar que para eliminar possibilidade de sorte, Alírio deveria ter checado mais de uma vez o suposto relógio. Na segunda checagem ele certamente notaria que o número estaria menor que anteriormente, o que deixaria claro que não se trata de um relógio, mas de uma contagem regressiva. Isso seria um caso de _prudência_, enquanto um ato de _conferir novamente_, por segurança. Prudência é uma virtude, ao meu ver muito relevante em casos como este, em que se quer eliminar a sorte. Outras virtudes poderiam ser elencadas, como a _responsabilidade_, a _humildade_, etc. Eu, particularmente inclino-me mais para a resposta internalista do problema. No entanto, há fortes defensores de perspectivas _externistas_, que normalmente defendem a _confiabilidade_ dos processos externos como principal fator de garantia de conhecimento, contra a possibilidade de sorte epistêmica. Por exemplo, um exame sobre a confiabilidade do computador de bordo enquanto um relógio poderia ter livrado Alírio deste engano. Uma alternativa seria buscar entender melhor que informações o computador era capaz de fornecer. Nenhuma dessas alternativas é, ainda, suficiente. O problema da sorte epistêmica tem fornecido um novo gás à epistemologia. Realmente se trata de uma difícil tarefa. No entanto, a alternativa de associação entre a ética e a epistemologia, com a Epistemologia das Virtudes, nos fornece um novo horizonte de possibilidades. Se me é permitido opinar, diria que se torna mais nítido o porquê de tamanha ênfase, por parte sobretudo de Platão e Aristóteles, na relação entre a ideia de bem e o conhecimento, entre as virtudes morais e intelectuais. A busca pela resposta suficiente e definitiva para a pergunta “como sabemos que sabemos?” permanece, ainda, em curso. Referências: ------------ 1. SOSA, E. (2007) _Conhecimento Reflexivo_. Crença Apta e Conhecimento Reflexivo. Vol. 2. (Capítulos 7, 8 e 9). Trad. C. C. Bartalotti. São Paulo: Ed. Loyola, 2013. 2. PLATÃO. _Ménon_ (2005). Tradução livre a partir da edição americana de Meno and Other Dialogues: Charmides, Laches, Lysis, Meno.Translated with an Introduction and notes by Robin Waterfield. Oxford: Oxford University Press, 2005, (97a-d). 3. GRECO, John; TURRI, John (2015). _Epistemologia da Virtude._ Trad. Breno Ricardo Guimarães Santos; Pedro Merlussi. In: _Intuitio_ vol.8 n.1. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS. Disponível em: [http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/19738](http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/19738). 4. GETTIER, Edmund L. (1963). _“É a Crença Verdadeira Justificada Conhecimento? ”_. Trad. Célia Teixeira. Disponível no site [http://criticanarede.com/epi_gettier.html](http://criticanarede.com/epi_gettier.html). 5. ZAGZEBSKI, Linda (1999). _“O que é conhecimento? ”_. In: GRECO, John e SOSA, Ernest (1999). Compêndio de Epistemologia. Trad. Alessandra S. Fernandes e Rogério Bettoni. São Paulo: Loyola, 2008, pp. 153–189.