
# A Quarentena é o Nosso Poço
===========================
## É possível haver solidariedade espontânea? A pandemia de Covid-19 está pondo isso à prova.
------------------------------------------------------------------------------------------
[Alexandre Magno Querino A. Silva](https://medium.com/@alexandremagnoquerino?source=post_page---byline--5b87123589f9--------------------------------)
[Filosófica Mente](https://medium.com/filos%C3%B3fica-mente?source=post_page---byline--5b87123589f9--------------------------------)
6 min read
Jun 10, 2020
Aparentemente, aprisionar centenas de pessoas numa torre, em duplas e com escassas fontes de alimento, pareceu ser uma boa forma de especular sobre nossa capacidade de ser empáticos, racionais e, sobretudo, solidários. O filme dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, _O Poço_ (2020), é um prato cheio. A obra aborda diversas reflexões e debates clássicos, sejam eles religiosos, sociológicos, políticos, econômicos ou filosóficos.
> Inevitavelmente serão dados aqui alguns spoilers. Então se você ainda não assistiu ao filme, recomendo firmemente que assista antes de ler este texto, embora não seja absolutamente essencial.
Eu gostaria de fazer aqui uma analogia. Quero relacionar a situação retratada no filme com a situação a qual estamos condicionados nessa quarentena. Como mencionei acima, o filme aborda muitas questões, mas gostaria de focar aqui apenas em uma delas: a da **solidariedade espontânea**.
* Em primeiro lugar, estabelecerei uma analogia entre nossa situação de isolamento social e crise econômica com a metáfora do “sistema vertical de autogestão” utilizada no filme.
* Em segundo lugar, gostaria de questionar a hipótese central do filme, a saber: que não existe solidariedade espontânea.
* Por fim, apresentarei casos recentes que, ao meu ver, podem servir como combustível para uma expectativa mais otimista do que a sugerida pelo filme.
Bom, começarei por um breve resumo do enredo.
O Sistema Vertical de Autogestão (SVA)
======================================
O filme começa com o personagem principal acordando em algo como um quarto com um senhor, que é seu colega de quarto. Em pouco tempo, via cenas e diálogos explicativos, descobrimos como funciona a estrutura do Poço.
É uma grande torre, com centenas de andares, e em cada andar há duas pessoas. No centro do quarto há um vão que atravessa todos os andares, e é por aí que desce, diariamente, o suprimento de comida. A comida desce numa plataforma flutuante, desde o topo da torre até o último andar, e a medida que desce (como é de se esperar) a quantidade de comida diminui gradualmente.
> O grande dilema do filme, que é também sua principal metáfora, é o de que nos níveis mais baixos o alimento é escasso ou inexistente. Mas não porque não há comida o suficiente, o filme deixa claro que há (!), mas sim porque as pessoas comem o quanto querem sem se preocupar com os que estão abaixo delas.

Acho que já está clara a semelhança com nossa sociedade e sua estrutura de classes: os “de cima” tem fartura e luxo, enquanto aos “de baixo” nada resta. É aí que vem a grande provocação do filme.
**Diferente de nossa situação real, no Poço a cada mês as duplas são remanejadas aleatoriamente.** A ideia é a de que experimentando os diferentes níveis e, consequentemente, as diferentes dificuldades, as pessoas deveriam desenvolver _espontaneamente_ um senso de _solidariedade._ O problema é que isso não acontece.
> O desenrolar do filme indica, por meio de diálogos e cenas fortes, que o ser humano, embora seja capaz de solidariedade, não é capaz de desenvolver isso sozinho. É necessário que alguém interfira, é preciso que alguém provoque a revolução!
Sistema Horizontal de Isolamento Social (SHIS)
==============================================
Para brincar um pouco com a comparação que quero fazer, inventei essa sigla SHIS para referir-me ao nosso estado de quarentena.
Bom, o filme veio em boa hora. Ele chegou justamente no momento em que víamos diariamente o pânico que o estabelecimento recente da quarentena (quase) global gerava. Pessoas comprando todo o álcool em gel, alimento e papel higiênico (?) que podiam, sem sequer cogitar que esses bens poderiam ser melhor racionalizados, para o bem comum.
Notou a semelhança?

O estado de todos contra todos, de desdém pelo próximo e de egoísmo estava escancarado diante de nossos olhos. Havia inclusive quem comprava toneladas de álcool em gel não para se proteger, mas para vender mais caro e lucrar em cima daqueles que não chegaram a tempo.
O pessimismo sugerido no filme conectou-se muito bem com os eventos recentes, em nosso SHIS. Eu mesmo entrei em pânico, comecei a acreditar que chegaria uma crise de escassez e que não teríamos sequer como comprar comida. Felizmente isso não aconteceu, ao menos não de modo alarmante.
> Então lá estou eu indo comprar comida no supermercado e vejo, no elevador, um aviso dizendo que um grupo de pessoas estava se dispondo a entregar compras nos apartamentos de pessoas idosas, para que estes evitassem de sair de casa. Meus olhos cansados e pessimistas brilharam, afinal nenhum pessimista _quer_ ser pessimista, parecia haver uma luz no fim do túnel.
Poucos dias depois, surgiram inúmeros casos semelhantes de solidariedade. médicos dando consulta online e renovando receitas para idosos **sem cobrar pelo serviço**, psicólogos atendendo pessoas também de forma solidária, grupos de pessoas fazendo campanhas de distribuição de comida e material de higiene para pessoas em situação de rua, entre outros casos. Parece que o Poço estava errado, somos sim capazes de solidariedade espontânea.
Nem tudo é ruína…
=================
O filme nos coloca lá embaixo, como um bando de animais egoístas e autodestrutivos, e infelizmente isso é compreensível.
No entanto, essa experiência da SHIS nos testou quanto a isso, é possível dizer que alguns de nós fazem jus ao que o filme indica. Porém, outros de nós são capazes de fazer diferente disso.
> Esse contraste entre o egoísmo e o pânico inicial e a solidariedade crescente fez surgir em mim dúvidas quando à índole de nossos concidadãos, quanto ao que seriam capazes de fazer em um momento de crise extrema. Será que conseguiríamos cooperar de modo a resistir mesmo contra uma pandemia? Ou será que somos mesmo egoístas e autodestrutivos?

Bom, como ainda não sou capaz de decidir, vou apenas contrariar minha natureza pessimista e optar pela saída mais _positiva_. Que é acreditar que prevalecerão as [ações](https://saude.abril.com.br/bem-estar/a-solidariedade-se-multiplica-durante-a-pandemia-de-covid-19/) e [iniciativas solidárias](http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/solidariedade-em-tempos-de-quarentena/), em detrimento de nossa mesquinharia.
E como parte dessa empreitada otimista, divulgo abaixo algumas iniciativas organizadas das quais tive notícia:
* [**Vizinhos do Bem**](https://vizinhodobem.com.br/vizinho-do-bem/home/) (plataforma digital que ajuda a cruzar interesses entre voluntários que possam ajudar pessoas que não podem correr o risco sequer de ir às compras)
* [**Tem açúcar?**](http://temacucar.com/) (plataforma digital que auxilia na troca de bens entre pessoas que moram próximas umas das outras)
* [**Marmita Solidária**](https://www.facebook.com/ArmazemdoCampoPE/) (projeto que reúne voluntários para auxiliar pessoas em situação de rua)
* [**Nós e as Escolas**](https://www.atados.com.br/noseasescolas) (projeto voluntário que ajuda crianças que necessitam da merenda escolar e que perderam esse acesso com o início da quarentena)
* [**Juntos contra o Corona**](https://juntoscontraocorona.com.br/) (projeto que visa conectar pequenas empresas, comerciantes, projetos sociais e voluntários, com o objetivo de divulgar serviços e cooperar para a superação de diversas dificuldades impostas pela pandemia)
Sigamos fortes nessa luta contra o coronavírus e sempre ajudando uns aos outros da melhor e mais segura forma possível, afinal, temos aí exemplos de que nosso futuro pode ser diferente daquele retratado no filme!
_Obrigado pela leitura, espero que você esteja bem nesse momento. Tome todos os cuidados, o coronavírus não é uma ameaça teórica, é real! Se puder, fique em casa._